Raça de víboras

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                Imagino o que deve sofrer o Papa Francisco. Atento às mudanças do mundo, ousa afrontar os poderosos do planeta. Aqueles que estão destruindo as florestas, dizimando as etnias, entregando terras públicas para criminosos, exterminando a biodiversidade.

                Escreve uma encíclica verde, acolhe paternalmente as minorias, procura fazer com que o Evangelho retorne em sua pura singeleza. Cristo não veio para incensar o poder, a autoridade, a riqueza, a pompa e a política. Foi exatamente para trazer a boa nova aos excluídos, aos marginalizados, aos pecadores, aos invisíveis.

                Francisco de Assis, o homem do milênio, já tentara revisitar o Novo Testamento, que passou a servir a todos os desideratos. Teses sofisticadas, raciocínios labirínticos, o apego à forma com prioridade sobre a essência, tudo o que a miserável criatura humana foi construindo em cima de verdades fundamentais, torna a religião um refúgio de predestinados. Ficam fora os que não se enquadram no figurino elaborado por quem? Não por Cristo, mas pelos homens.

                Quando o Papa assume posturas fraternas, compassivas, caridosas, procura-se enfatizar heresias e sacrilégios, como se fora um impostor. Chega-se a afirmar que ele seria o anticristo, que Roma é sede vacante, que chegaram os tão falados fins dos tempos.

                Entretanto, ele continua em sua mensagem que, para o mundo perfeito dos que se escondem sob o manto da Igreja deveria ao menos fazê-los pensar. São eles os bons samaritanos, a melhor metáfora sobre o amor ao próximo, ou estão mais para a raça de víboras, os sepulcros caiados que se consideram os únicos chamados à salvação e desprezam os que as estruturas construídas pelo egoísmo deixaram à margem da História.

                Cada qual procure avaliar o seu papel neste planeta maltratado, na insensata caminhada humana que vai vitimando os semelhantes e, pior até do que isso, debilita e arruína um patrimônio intangível: a crença na perfectibilidade humana e o compromisso de sermos, a cada dia, um pouco melhores do que temos sido.

                O Papa Francisco merece apoio de toda a lucidez que persiste a acreditar na verdade. Não só da família católica ou cristã, mas de todos aqueles que possam se enquadrar no conceito de “homens de boa vontade”.

José Renato Nalini

Desembargador, reitor da Uniregistral, palestrante e conferencista

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