Por que hashtags com erros de grafia estão ficando populares no Twitter?

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Após o ex-juiz Sérgio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça no fim de abril, uma das reações da rede de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no Twitter foi levantar a hashtag #FechadoComBolsolnaro. Ela levava um erro de grafia – um ‘L’ a mais no sobrenome do presidente – e mesmo assim apareceu entre os assuntos mais comentados da rede social no fim de semana que sucedeu aquele 24 de abril. Para opositores, a iniciativa virou piada. Mas pode ser mais do que um descuido, revelando uma estratégia de como usar redes sociais para espalhar uma mensagem específica. Afinal, é difícil imaginar que um erro tão claro possa parar organicamente nos assuntos mais discutidos do Twitter.

É preciso entender como um assunto ou hashtag chega aos assuntos mais comentados do Twitter. A empresa não revela exatamente qual é a fórmula para que um assunto chegue aos trending topics (ou assuntos do momento, como a empresa traduziu a função no País) – ao jornal O Estado de S. Paulo, o gerente de políticas públicas do Twitter Brasil, Fernando Gallo, afirma que essa é uma maneira de evitar que esse recurso sofra manipulações. Ele diz também que o volume de mensagens é só uma das variáveis.

Um dos aspectos detectados por especialistas em redes sociais, porém, é que os assuntos comentados incluem termos que estão com picos de uso – ou seja, um alto volume de mensagens num curto espaço de tempo é mais importante do que um assunto comentado constantemente em baixa rotação. Por exemplo, o algoritmo seria mais sensível a mil mensagens postadas em um minuto do que 100 mil postadas ao longo de um mês.

“Estudos sobre as características de hashtags mostram que quando você tem muitos usuários de perfis variados tuitando num curto espaço de tempo a mesma hashtag ou assunto, o algoritmo detecta essa explosão e coloca isso nos trending topics”, explica Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo. “Os assuntos mais comentados são sempre afetados pelo que acontece no mundo offline, como situações políticas ou morte de celebridades. É difícil ser manchete o dia inteiro lá.”

Quando o volume de publicação de uma hashtag fica estável, significa que ela já começou o processo de saída da lista dos assuntos mais falados. E a volta não é tão simples. “Para voltar, uma mesma hashtag precisa chegar a outro pico. Ou seja, ela precisa morrer para depois ressuscitar”, explica David Nemer, professor da Universidade da Virgínia (EUA). “Esse processo é demorado. Pode durar semanas até ela parar de ser publicada ou atingir um nível baixo”, diz.

É de olho nessa dinâmica que a hashtag errada pode virar uma ferramenta. “Não é um equívoco. São estratégias para manter uma mensagem sempre entre os assuntos mais falados”, diz Malini.

Assim, quando uma hashtag perde o pico, outra extremamente parecida toma o seu lugar. Uma letra errada não altera a mensagem contida na hashtag.

Gallo confirmou que erros de grafia não interferem na seleção de hashtags pelo algoritmo do Twitter. “Os termos e hashtags presentes nos Assuntos do Momento são baseados só na atividade das pessoas no Twitter”, diz.

Tática

Embora esteja ganhando notoriedade na internet brasileira, a estratégia não é exatamente uma novidade. Um estudo com pesquisadores das Universidades de Kentucky e de Maryland (ambas nos EUA) mostrou que em 2016, o Wikileaks utilizou 37 variações da mesma hashtag para revelar os pacotes de e-mails de John Podesta, ex-presidente da campanha presidencial de Hillary Clinton. Foram usadas as hashtags #PodestaEmails1, #PodestaEmails2, até chegar a 37.

Nesse caso, não são erros de grafia, mas a lógica é a mesma: uma pequena variação de caracteres para manter o assunto em alta sem alterar a mensagem. Segundo o estudo, o Wikileaks conseguiu aparecer 1.917 vezes nos trending topics de todo o mundo, permanecendo lá nos 30 dias que antecederam as eleições presidenciais americanas de 2016.

A pedido da reportagem, a AP Exata, empresa especializada em análise em redes sociais, fez um levantamento de todas as hashtags que levavam o nome de Bolsonaro durante abril – tanto as de apoio quanto as de oposição. A quantidade de hashtags com erros de grafia foi baixa em relação ao volume total, mas aparecem algumas variações de #FechadoComBolsolnaro.

São elas: #FechadoComBolsobaro, #FechafoComBolsonaro, #FechadosComBolsolnaro, #fechadosComBoldonaro e #FechadosComBolsanaro. Apareceram ainda #EuApoioBolsolnaro e #somostodosbolsobaro, Nem todas tiveram grande eco, mas foram utilizadas. Nenhuma hashtag contra o presidente apareceu com a grafia errada.

Efeitos

O Twitter tem uma explicação mais simples para o fenômeno. “O recurso de autocompletar pode sugerir ao usuário um termo já usado antes, ainda que esteja escrito de forma errada”, diz Gallo.

Os especialistas concordam que esse recurso pode ajudar o impulsionamento orgânico de uma hashtag que começou em redes de robôs.

Outra maneira que a hashtag errada tem para ganhar audiência orgânica é chamar a atenção de um perfil influente no Twitter. “Nas eleições, percebemos que quando uma autoridade retuitava uma hashtag, ela explodia. Além disso, esse retuíte ‘lava’ a informação, no sentido de legitimizá-la”, diz Raquel Recuero, professora da Universidade Federal de Pelotas.

No caso político, um terceiro efeito seria o de pescar a atenção de opositores que, ao fazerem piada com uma hashtag errada, acabam ampliando a divulgação da mensagem.

Para Malini, a falta de transparência do algoritmo mais atrapalha do que ajudam a plataforma – segundo ele, isso tira credibilidade do serviço. Ele, porém, diz que vê como positivo o movimento da rede social de incluir assuntos e temas, e não apenas hashtags, nos trending topics. Isso, segundo o pesquisador, amplia a variedade de pessoas e perfis que ficam em destaque.

“Como os spammers mudam suas táticas, modificamos nossas ferramentas para abordar tais situações”, explica Gallo. “No caso dos Assuntos do Momento, tomamos medidas preventivas como excluir tuítes e usuários automatizados dos cálculos de tendências.”

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