O distanciamento social exigido pela pandemia do
novo coronavírus acelerou as discussões sobre o uso dos drones no mundo todo.
Na China, eles já têm sido utilizados para transportar insumos médicos, coleta
de exames e até para desinfetar cidades; na Austrália, os veículos não
tripulados têm feito entregas de uma série de produtos, de café e pão até ovos
e papel higiênico; nos Estados Unidos, a tecnologia foi motivo de polêmica ao
ser usada para fiscalizar pessoas que furavam a quarentena em Manhattan.
Por aqui, as discussões também aumentaram.
Empresas e órgãos públicos têm buscado informações sobre como usar o
equipamento de forma segura e eficiente. Por enquanto, apenas uma empresa de
Franca, no interior de São Paulo, está em processo de certificação para fazer
entregas por drones.
Trata-se da Speedbird Aero, uma empresa criada
por dois brasileiros que querem transformar a promessa mundial do delivery
aéreo em realidade no Brasil. Desde o ano passado, quando a pandemia do novo
coronavírus nem tinha dado as caras no mundo, o engenheiro Samuel Salomão e o
administrador de empresas Manoel Coelho, sócios da empresa, trabalham na
primeira certificação de drones para entregas no País e podem conseguir uma
autorização ainda neste ano.
Mas esse será apenas o primeiro passo de um
processo que pode levar cinco anos até chegar ao nível de voos autônomos (sem
controle remoto). Durante um bom tempo a operação ainda dependerá da
intervenção humana no controle dos drones, mesmo que as rotas sejam programadas
automaticamente. Além disso, ao contrário do que prometem algumas empresas no
exterior, no Brasil a operação deve ser gradual e está longe de entregar
produtos na porta da casa do consumidor. O desenho que vem sendo feito pela
Speedbird inclui rotas preestabelecidas, como o teste que vem sendo feito com a
parceira iFood – empresa de delivery de comidas.
A ideia é retirar o pedido num shopping, por
exemplo, levar até um determinado ponto e de lá seguir com entregadores. Ou
sair de um restaurante e ir até a entrada de um condomínio, onde haverá um
droneporto – local construído para permitir a aterrissagem do drone. A proposta
é superar alguns gargalos, como o trânsito ou o tempo para sair de um shopping.
“Nesse caso, trabalharemos com uma complementaridade de transporte com a
moto, patinete ou bicicleta”, diz Coelho, sócio da Speedbird , criada em
2018.
Modelos
Com a quarentena imposta pela pandemia do
coronavírus, outros modelos começam a ser pensados para atender hospitais e
órgãos públicos. A empresa tem sido procurada para desenhar soluções e rotas
específicas para o transporte de exames médicos e até medicamentos. “Sem
dúvida, o uso de drones será ampliado”, diz Salomão. Segundo ele, no
auxílio à telemedicina, drones poderão entregar remédios para pacientes; na
prestação de serviços, trabalhadores em campo poderão receber peças ou
ferramentas durante reparos onde o tempo é crítico; e na engenharia,
suprimentos poderão ser entregues em obras em locais de difícil acesso.
“Enfim, encomendas poderão ser retiradas por moradores em pontos de coleta
especialmente projetados para receber drones “
Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac), há várias conversas com empresas para o uso de drones em uma série de
atividades, mas, para entregas, a Speedbird saiu na frente. O processo de
certificação da empresa, em análise na agência, é para permitir o voo fora da
linha de visão. Os diretores da Anac têm acompanhado os testes e feito uma
série de exigências para garantir a segurança do equipamento para a população.
Um exemplo foi o pedido para o desenvolvimento de um paraquedas caso haja pane
com o drone durante um voo.
“Para encontrar um modelo que funcionasse a
30 metros (altura que a empresa pretende voar), tivemos de recorrer a uma
empresa israelense, mas conseguimos uma solução que atende à agência”, diz
Salomão, que comanda toda a parte tecnológica da empresa. É ele que desenvolve
e adapta os drones da Speedbird para as entregas. Os equipamentos podem voar
num raio de 5 km a 10 km e levar uma encomenda de dois quilos – o próximo drone
em construção terá capacidade de levar até oito quilos. Para desenvolver os
equipamentos, Salomão importa parte dos componentes e produz peças menores em
impressoras 3D.
Voo autônomo
A utilização de drones em larga escala no Brasil
ainda vai depender de estrutura para detectar as aeronaves no ar. A major
Daniele Lins, do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), afirma que,
mesmo com a certificação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o uso dos
veículos não tripulados terá de ser controlado em áreas predeterminadas. Hoje,
o que tem sido feito é acomodar esse tráfego numa malha já existente,
“Definimos um polígono e não deixamos que outros usem o espaço”, diz
ela.
“Os drones são menores e difíceis de serem
detectados, mas acreditamos que, com a tecnologia do 5G, poderemos encontrar
soluções interessantes para o controle dos equipamentos”, diz a major.
Segundo ela, que tem acompanhado de perto as discussões pelo mundo, as
iniciativas mais avançadas hoje estão na Austrália e nos Estados Unidos.
“Mas tudo ainda é experimental. É um processo que o mundo está
construindo”.
Os sócios da Speedbird, Manoel Coelho e Samuel
Salomão, entendem bem que o processo de “popularização” dos drones em
serviços de delivery não é curto nem fácil. Eles trabalham com quatro fases de
desenvolvimento das autorizações. A primeira prevê voos em áreas rurais,
condomínios e indústrias, com o consentimento de pessoas; a segunda inclui
sobrevoos em áreas esparsamente povoadas com até 300 habitantes por quilômetro
quadrado (km²), sem autorização dos moradores; e a terceira, em locais com mais
de 300 habitantes por km². A última fase seriam os voos sem a necessidade de um
operador. É esse o grande alvo das empresas, o que permitiria o uso em larga
escala e derrubaria o custo das operações.
Nas próximas semanas, a empresa deverá receber
uma rodada de investimentos, o que dará mais fôlego ao desenvolvimento do
produto. Os recursos virão de fundos de venture capital e de outros
investidores. Um deles é o brasileiro Reinaldo Carvalho, que mora nos Estados
Unidos e investe em negócios em estágio inicial.
Apesar da crise da covid-19, ele afirma que nem
cogitou a possibilidade de desistir do investimento. Entre as explicações está
a de que a Speedbird é a única empresa com processo de certificação no Brasil.
Além disso, a solução será uma importante ferramenta para diminuir os problemas
de logística no País, diz o investidor.
Segundo Salomão, a captação de recursos será
para desenvolver a tecnologia, contratar novos engenheiros e aumentar a frota.
“Hoje, o software (que traça as rotas e permite que o drone siga um
caminho) é o nosso maior valor. Precisamos incrementar essa ferramenta.”
Pandemia acelera demanda por drones
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