O bruxo do jaleco branco – Roberto Samuel

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O que mais te assusta? O que te faz tremer? Com certeza é a perda de algo importante, o mais valioso no mundo: a vida. Nestes tempos em que tudo pode ser explicado cientificamente, o milagre do nascer e a inevitabilidade do fim continua um mistério. O último inimigo a ser vencido será a morte. Quando isso ocorrer, um mistério permanecerá na alma dos então imortais: haverá vida após a morte, o céu existe, Deus abandonou esses seres eternamente insatisfeitos na terra? Ironicamente, o fim de um enigma criará outro. Nunca será possível ter as duas respostas.

Existe um grupo de rebeldes que desacatam as leis da natureza, desafiam o impossível, lutando contra a morte – apesar de ela ser uma certeza. “Por enquanto!”, dizem eles em seu âmago. É um grupo de 451.777 soldados, mal distribuídos pelo Brasil. Assim quem mora nos grandes centros urbanos tem maior defesa. Eles passam a vida estudando, boa parte de sua juventude é dedicada quase que exclusivamente à procura do conhecimento.  Essa é sua a sina.

Uma pequena fortuna é necessária para obter os melhores soldados na luta pela vida. Um jovem estudante gastará mensalmente R$ 3.641,24 durante 6 anos em Tocantins e até R$ 12.191,00 em São Paulo, isso só com mensalidade. Assim os filhos dos mais pobres estão praticamente fora desse exército. Claro! Existem raras exceções, mas são raras. Seria preciso o auxílio direto e conjunto da iniciativa privada com o governo para aumentar os números dos menos afortunados financeiramente entres esses quase deuses.  Apesar dos gritos de que já existem o suficiente, já basta!

Vejam: enquanto no distrito federal existem 4,35 “Paracelsos” para cada mil habitantes, mesmo nível da Suíça. Em cidade de até 5 mil habitantes, a média é de 0,3 taxa equivalente ao de países pobres africanos. Agora a grande questão: como transformar um jovem habitante das praias do Rio, do Nordeste, ou das selvas de arranha-céus de São Paulo, Porto Alegre, das capitais nordestinas, do centro oeste, e do Norte em um pacato cidadão de um município com menos habitantes do que um bairro dos grandes centros?

Por eles pertencerem ao restrito grupo de magos, de bruxos, de alquimistas modernos capazes de aplacar as mais terríveis dores e afastar a morte, nós os vemos como divindades e raramente contestamos seus atos. As fugas ilegais durante o horário de trabalho nos serviços públicos, os atrasos constantes nas consultas particulares, nos irritam. Mas quase sempre nos resignamos. Ruim com eles, mas dolorido sem eles. Percebo que todo esse esforço é para ter recursos suficientes e manter-se estudando. E para pagar os estudos dos seus rebentos. Se ganhar até R$ 15 mil por mês não conseguirá tornar seu filho um seguidor seu.

Levar somente o médico para os rincões periféricos, é o mesmo que levar torneiras sem as tubulações de água.  É preciso primeiro os remédios, equipamentos: infraestrutura para os doutores trabalharem. A fama de mago e deuses é só fama. Eles não são adivinhos, precisam de exames e equipamentos modernos. Uma carreira profissional tal qual promotores e juízes seria um atrativo a mais para atrair os jovens doutores.

Por terem vivido a vida toda nos bairros ricos e nobres, a periferia, as cidades mais pobres são um mundo distante, cheio de perigos desconhecidos, o biótipo local difere do seu, os assuntos e os interesses são diferentes e torna impossível uma conversa de interesses semelhantes.  Sabe, passou da hora da periferia e dos rincões formarem seus próprios doutores para auxiliar as benzedeiras e os pajés.

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