Novembro chama a atenção para a consciência negra

Iñapari (Peru) Haitinanos vivem em condiçoes precarias, falta agua, energia eletrica, pessimas condiçoes de higiene, dormem em alojamentos amontoados,eles nao estao em condiçoes legais, ajuda vem de alguns moradores de Assis Brasil, que atravessam a fronteira, levam agua, e alguns matimentos .
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Lucy Tamborino

“Ele disse que não votaria em mim porque eu tinha três P’s e eu fui ingênuo e perguntei. Ele falou assim: eu não voto em você primeiro porque você é pobre, segundo porque você é político e terceiro porque você é preto. Sai da minha casa”, contou o vereador Professor Jesus, no gabinete da presidência da Câmara. Na ocasião, em 2008, ele só conseguiu ir para o carro e chorar. No ano em que isso aconteceu ele não se elegeu, mas isso deu mais força para continuar lutando por uma cadeira no Legislativo.

Para chegar à presidência da Casa de Leis, Jesus começou a trabalhar aos 12 anos. Da feira, seu primeiro emprego, foi atuar em um bar lavando banheiros, depois foi trabalhar em algumas empresas. De lá para cá fez graduação em Letras e Pedagogia, além de pós-graduação em Língua e Literatura. Mas não foi só pedindo votos que encontrou o racismo, atuando como professor foi barrado mais de uma vez antes de entrar em eventos de escolas e até agora conta que há quem se espante quando diz que é o presidente do Legislativo.

“Enquanto as portas para muitas pessoas estão abertas, para o negro estão sempre fechadas e você tem que bater para conseguir entrar. Eu sempre tive muitas dificuldades como negro”, contou Jesus. “O país é racista e preconceituoso, mas quando você tem força de vontade você consegue superar todos os obstáculos”, completou. Na Câmara, Jesus conta que apenas 9% dos parlamentares são negros.

Já como político o parlamentar criou, em 2014, junto com o vereador Lamé (MDB) uma lei que instituiu o Serviço SOS Racismo. A iniciativa conta com atendimento social e psicológico, encaminhamento jurídico, podendo em caso público configurar abertura de processo administrativo. Pessoas vítimas de racismo e discriminação racial podem entram em contato pelo 2402-1000 ou pelo e-mail sosracismo@guarulhos.sp.gov.br.

Projeto

Atualmente tramita na Câmara, um projeto de lei da vereadora Janete Lula Pietá (PT) para incluir a palavra “preto” no nome da avenida Nossa Senhora Mãe dos Homens. “O texto é fruto da reivindicação do movimento negro, a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi criada por negros no século XVIII, já que eles não podiam entrar na igreja da Nossa Senhora da Conceição porque era somente para os brancos”, contou. Ela ainda afirmou que com o crescimento na cidade, a igreja foi demolida e mudada para outro lugar, assim a avenida deveria ter novamente este nome como uma homenagem a esta luta.

Há ainda um projeto de resolução que cria a Frente Parlamentar com participação popular feminista e antirracista. A iniciativa é também de Janete em conjunto com outros vereadores. Um dos objetivos é ampliar e qualificar as discussões e ações na defesa dos direitos humanos das mulheres e a luta contra o racismo, através da promoção de debates, simpósios, seminários e outros eventos. A medida também pretende criar um novo mecanismo de democracia direta, aproximando o Legislativo da sociedade civil organizada.

Janete também afirmou que já sofreu racismo e machismo na política e no dia a dia. “Além de ser mulher e negra eu ouso falar, pensar e debater. A gente tem que provar em todo momento que é competente e inteligente igual a outro político inteligente, sendo que na verdade nem todos os políticos são”, ironizou.

Em Guarulhos, poucas pessoas denunciam casos de racismo

Do total de 1,3 milhão de habitantes em Guarulhos 6,3% se declararam negros. Ainda assim, a quantidade de pessoas que denunciam crimes de racismo ainda é pouca.

As denúncias podem ser realizadas pelo menos por dois meios: SOS Racismo e pela Comissão Técnica Permanente Direitos Humanos, Cidadania, Habitação, Assistência Social e Igualdade Racial, da Câmara. No primeiro caso duas denúncias aconteceram até agosto, já no segundo foram oito no primeiro semestre deste ano. Isso sem contar as redes sociais, onde a prática de racismo também é apurada.

“Infelizmente ainda existe uma cultura do racismo como algo natural e normal. Aqueles que denunciam são um número bastante inferior dos casos que acontecem na realidade. O racismo continua presente na sociedade e ocupando o pensamento de várias pessoas que, num grupo menor, acabam se encorajando para praticá-lo”, lamentou Edmilson Souza (PT), que preside a comissão. 

O subsecretário de Igualdade Racial, Anderson da Silva Guimarães, explica que o racismo não está só nas denúncias diretas, mas quando os negros não têm oportunidades. “O racismo não está em um lugar específico, mas no DNA de formação da psique da sociedade, seja ela brasileira ou não. Quando você hierarquiza nasce o racismo. Quando você escolhe quem tem ou não tem o direito na escassez”, apontou.

Para lidar com esta problemática a pasta realiza ações de cidadania onde leva assistências jurídicas e emissões de documentos, oferece cursos de qualificação profissional, além de curso com temáticas étnicas raciais. A formação é obrigatória para todos os profissionais da Escola SUS que mudam de cargo profissional e está disponível para os servidores em geral por meio da Escola de Administração Pública de Guarulhos (Esap).

O subsecretário defende que nem todo negro tem as mesmas oportunidades que ele teve. De família humilde, filho de um sapateiro e uma doméstica, sempre contou com o apoio familiar. Mesmo na Universidade de São Paulo (USP), a qual se especializou em Saúde Pública, teve que lidar com o racismo. “O negro precisa ultrapassar o dobro de barreiras. Isso se a gente conseguir chegar às barreiras”, lamentou.

O primeiro da família a entrar na universidade

“É aquela luta, a gente sobrevive todo dia na sociedade com medo. Eu tenho até medo de sair de casa à noite. Você precisa provar várias e várias vezes que é bom na faculdade. No primeiro semestre eu tirei só 10, mas fui totalmente desacreditado e humilhado várias vezes”, contou um estudante de Pedagogia, de 19 anos, que preferiu não se identificar. Para lidar com o preconceito, ele precisou se transferir. Hoje estuda na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Pimentas. De família humilde e negra, o jovem é o primeiro a chegar ao Ensino Superior.

Apesar dos problemas o jovem já sabe o que quer fazer no futuro. “Eu quero dar aula na Educação Infantil e no Ensino Superior, mesmo com todas as dificuldades. O curso de Pedagogia tem poucos alunos negros e as pessoas também não imaginam um professor negro”, disse.

Em nota, a Unifesp afirmou que não tolera qualquer tipo de violência, dentre elas o racismo, ressaltando que todas as denúncias são apuradas. Quando se trata de uma denúncia contra estudante, a situação é investigada por meio do Código de Conduta Estudantil. Quando se trata de denúncia contra servidor ou docente, a apuração se dá por meio de comissões próprias seguindo as respectivas leis de cada categoria. Em todos os casos há previsão de sanções, que pode chegar ao desligamento da pessoa da instituição.

O social media Daniel Pereira, 39, também não se amedrontou, mesmo com o preconceito sofrido. “Eu fui num evento que era o dia inteiro e ia ter um almoço para equipe que estava trabalhando. Quando eu cheguei para almoçar me disseram: pena que você chegou tarde, os motoristas já almoçaram lá embaixo”, disse. Essa não foi a única vez que ouviu coisas do tipo e em outra ocasião já foi abordado com truculência por seguranças. “Me disseram que era procedimento padrão, eu questionei para quem. Perguntei na fila se alguém tinha sido abordado assim e todo mundo ficou quieto. Questionei se era padrão para mim e apontei para minha pele”, relatou.

Ele hoje ministra palestras sobre o racismo e pretende também montar um documentário sobre o candomblé e o preconceito racial. Para ele a discriminação vem do fato da religião ter raízes africanas. “Eu já estou num nível que não tolero mais racismo. Quando praticam racismo, as pessoas usam como desculpa que você está entendendo errado. Eu uso bastante as redes sociais para fazer este tipo de denúncia, porque para os órgãos oficiais existe um desencorajamento”, contou. “O racismo é subjetivo, as pessoas tentam mascarar e minimizar”, completou.

Quem nasce negro, lida com o racismo cedo, foi isso que descobriu Raquel Aparecida de Oliveira, de 36 anos. A filha, hoje com 14 anos, sofreu preconceito ainda com 10. “Por mais que ela me admire eu não sou referência, eu nunca vou sofrer o que ela sofre”, contou. Para ajudar a filha a lidar com o preconceito e também outras crianças negras, ela desenvolveu um projeto de literatura negra para a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Elias Shammass, na Zona Sul da capital.

A filha, Diana Isabelly de Oliveira Santos, tinha apenas 10 anos quando decidiu tirar as traças e adotar o cabelo solto. “Eu sempre gostei dele crespo e pedi para minha mãe para ir com ele solto. Eu esperava que fosse ter o mesmo tratamento, mas algumas meninas começaram a me olhar e me tratar como bicho”, afirmou. Diana diz que mesmo assim não desistiu do novo estilo, já que a mãe sempre a ensinou a ser livre. Hoje ela também se reconhece como referência para outras meninas negras e ministra palestras nas escolas. O preconceito, porém, ainda faz parte da sua rotina, não mais na escola, mas em bairros fora da periferia.

Racismo no mundo

Não é só o Brasil que tem relatos de racismo, no mundo os casos são cada vez mais frequentes e em diversas áreas, como o futebol. Recentemente uma cena lamentável marcou o jogo entre Shakhtar Donestk e Dínamo Kiev, pelo Campeonato Ucraniano. Por volta dos 30 minutos do segundo tempo, torcedores do time de Kiev, visitantes no estádio do Metalist, atual casa do Shakhtar, fizeram ofensas racistas para jogadores rivais.

Os xingamentos foram direcionados aos brasileiros, e Taison se revoltou em campo. Ele respondeu mostrando o dedo do meio, chutou a bola para longe e acabou expulso por isso. O atacante deixou o campo chorando pelo ocorrido. Dentinho, seu companheiro de time, também demonstrou revolta com a situação.

No dia 14 deste mês a partida entre Bulgária e Inglaterra, em Sófia, foi paralisada duas vezes já que os torcedores da Bulgária começaram a realizar ofensas racistas e saudações nazistas. O jogo era válido para as Eliminatórias da Eurocopa de 2020.

Em 2014, em Villarreal, na Espanha, a vitória do Barcelona sobre o time de mesmo nome da cidade, contou com mais uma cena deste tipo. No segundo tempo, um torcedor jogou uma banana no campo, como uma suposta atitude racista. Na época, o brasileiro Daniel Alves, lateral-direito, caminhou até a fruta e a comeu.

Crimes raciais aumentam 66% em Guarulhos

Lucy Tamborino

O número de registros de boletins de ocorrência por preconceito racial ou étnico aumentou 66% em Guarulhos, de seis casos em 2017, saltou para dez no ano passado. Os dados fazem parte de levantamento obtido pela Folha Metropolitana através da Lei de Acesso à informação.

A maioria dos casos em 2018 aconteceu dentro de residências, um total de 50%, representado cinco deles, o restante ocorreu em comércios (01), terminais de ônibus (02) e via pública (02).

Já em 2017, 50% dos crimes ocorreram em via pública, sendo três casos. Ainda dois aconteceram em comércios e um em via pública. Não foi registrado nenhum caso em residências.

Conforme a lei, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional pode levar a pena de reclusão de um a três anos e multa.

Ainda no ano passado foram registrados outros 37 boletins de ocorrência por injúria na cidade, no ano anterior foram 78, significando uma redução de 7%.

Imagem: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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