Mortadela à moda da casa: chefs investem na produção artesanal do embutido

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Se fosse possível definir a mortadela em apenas uma palavra, a melhor escolha seria – sem dúvida – popular. Fatiada bem fininha, a mortadela é o recheio ideal para aquele pão francês fresquinho, que você encontra em qualquer padaria da cidade. Simples e despretensiosa, a mortadela é raiz! E desperta boas lembranças em muita gente, como no chef francês Alain Poletto, do Bistrot de Paris. “O meu pai tinha um bistrô na cidade onde eu nasci, Thonon-les-Bains, na França. E, por ser italiano, ele costumava servir mortadela junto com os outros itens de charcutaria e isso me marcou muito”, lembra ele.

No entanto, o embutido servido pelo pai do chef francês não tinha nada a ver com a mortadela que encontramos por aqui. Diferentemente da versão industrializada, que pode combinar diversas aparas de carne, conservantes e aromatizantes, a mortadela artesanal tem como base carne suína, gordura, especiarias como pimenta-do-reino e só (ah, pode ter pistache também). O embutido artesanal costuma ter uma coloração rosada mais pálida, além de consistência macia. Na boca, o que se destaca é o sabor da carne suína e das especiarias, além do sal na medida. E os glóbulos de gordura entremeados no embutido trazem uma untuosidade que completam a experiência.

Enquanto o pai de Poletto podia contar com os produtos artesanais produzidos por um charcuteiro local, ele teve que encontrar alternativas para servir um produto artesanal em seu restaurante na capital paulista. O jeito foi se debruçar sobre as técnicas de charcuterie e desenvolver a sua própria linha. “Comecei pelo pâté de campagne, depois passei para o bacon, que aprendi com a minha avó e, um tempo depois, comecei a pesquisar as técnicas de produção da mortadela. O desafio era criar uma mortadela boa e saudável”, conta o chef do Bistrot de Paris.

Passo a passo

Embora seja trabalhosa, a receita da mortadela não é nenhum bicho de sete cabeças. O preparo se inicia pela escolha do corte suíno – a paleta costuma ser a mais utilizada para esse preparo. “Porque tem bastante colágeno, o que ajuda a tornar a emulsão mais estável”, explica Poletto. A carne bem gelada, para evitar a proliferação de bactérias, é moída em um cutter (um processador industrial) juntamente com gordura, para trazer maciez para o embutido. “Eu utilizo papada de porco e o seu percentual varia entre 25 e 30%. Depende muito do lote da paleta, que pode vir com mais ou menos gordura”, afirma o chef do Bistrot de Paris.

Com a emulsão pronta, é a vez de acrescentar as especiarias – as escolhas variam de acordo com os chefs. Enquanto Poletto utiliza pimenta-do-reino, o chef Ygor Lopes, do restaurante AE! Cozinha, por exemplo, faz uma mistura à base de pimenta, louro e semente de coentro. E também acrescenta um pouco de xarope de beterraba. “Não traz sabor extra, mas ajuda a deixar a cor da peça mais rosada”, explica ele. Já o chef Fabio Pasquale, da padaria artesanal Le Blé, acrescenta anis-estrelado na sua versão para o embutido.

Além dos temperos, nessa etapa entra em cena o sal de cura, que consiste em um aditivo químico à base de sal, nitrito e/ou nitrato de sódio, que é muito utilizado pela indústria com a finalidade de conservação. “Eu uso o mínimo possível por uma questão de segurança alimentar, para eliminar o risco de proliferação de bactérias na peça. Sem dúvida, a indústria utiliza uma quantidade muito maior, juntamente com outros conservantes e aromatizantes artificiais”, explica Pasquale.

Depois, incorpora-se os cubos de gordura que formam os glóbulos presentes nas fatias – toucinho costuma ser a escolha da maioria dos chefs. Para trazer um toque italiano, Poletto ainda acrescenta o pistache. Já Rueda abre mão dos cubos de gordura e investe na castanha-do-Pará. Para um observador mais desatento, as lascas finíssimas da oleaginosa parecem a gordura. “Eu quis usar algo nosso, que representasse o País”, explica o chef d’A Casa do Porco, que produz uma mortadela à base de paleta.

Em seguida, é a vez de dar o formato da mortadela. Aí entra a expertise dos chefs. Tanto Pasquale quanto Poletto utilizam um saco à vácuo redondo em vez de tripa, que é o clássico. “Dessa maneira, eu consigo fazer peças menores, para atender a demanda do restaurante”, explica o chef do Bistrot de Paris. Depois, a mortadela passa por um processo de cocção, que pode ser tanto no forno quanto no termocirculador. Passadas algumas horas, as peças precisam descansar e esfriar antes de serem servidas.

“Assim todos os sabores se espalham melhor”, explica o chef da Le Blé. Lopes leva cerca de três dias para realizar todo o processo. “O melhor é depois de tanto trabalho cortar uma peça e ver que deu tudo certo”, afirma o chef do AE! Cozinha. Ele começou a se dedicar à produção da mortadela em plena pandemia, quando teve tempo de se dedicar aos testes. “Levei quatro meses para chegar na receita atual, que combina paleta e tem um pouco de carne bovina, para trazer mais uma camada de sabor”, explica Lopes.

Embora as mortadelas artesanais tenham um grande potencial como ingrediente, os chefs preferem servi-las da maneira mais simples possível. No Bistrot de Paris, por exemplo, a mortadela pode ser adquirida pelo e-commerce do restaurante (a partir de R$ 30, 150g), além de ser servida no salão na companhia de outros itens de charcuterie, como o pâté de campagne e o bacon (R$ 59). Também serve como base para o sanduíche le charcutier, com mortadela artesanal, queijo raclette e salada de coentro com picles de cebolinha branca (R$ 45). Já no AE! Cozinha, a mortadela artesanal pode ser pedida à parte (R$ 20, 100g) ou com a charcutaria do restaurante, que inclui pão de fermentação natural, picles de legumes e mostarda fermentada (R$ 36).

Na Le Blé é possível encontrar a versão fatiada (R$ 65, o quilo), além de sugestões como o sanduíche de mortadela com queijo prato Fazenda Atalaia servido na ciabatta (R$ 16) e a pizza feita com massa de longa fermentação, que é coberta de molho de tomate, mussarela, mortadela e raspas de limão-siciliano (R$ 30). E n’A Casa do Porco a mortadela que recebe o sobrenome de Real Rueda, é servida com pão rústico da casa, picles, mostarda com tucupi, compota de cebola caramelizada e bacon (R$ 39), além de ser base de um sanduíche com agrião e maionese de mostarda, servido em pão de longa fermentação (R$ 23), que ele oferece no delivery.

Em três meses, Rueda deve inaugurar um frigorífico próprio. Localizado próximo ao município de Joanópolis, no interior paulista, o local terá a finalidade de produzir diversos itens à base de porco, como a própria mortadela. Em um primeiro momento, os produtos irão abastecer as casas do grupo, mas a expectativa é, no futuro, comercializá-los em todo o País. “Com essa tendência do rótulo limpo, em que o consumidor encontra só bons ingredientes nos produtos, eu acredito muito que os chefs irão comandar as indústrias do futuro”.

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