Depois de quatro meses de pandemia, as empresas
começam a sucumbir à falta de caixa e à incapacidade financeira para honrar
todas suas dívidas. No mês passado, o número de pedidos de recuperação judicial
cresceu 44,6% e o de falências decretadas, 71,3% em relação a igual período de
2019, segundo levantamento da Boa Vista SCPC. A má notícia é que o movimento
está apenas no começo e, segundo especialistas, deve se acelerar ao longo deste
semestre tanto no número de recuperações judiciais como no de falências.
A diferença entre os dois processos é que a recuperação judicial, instrumento
criado em 2005, representa uma chance de a empresa se recuperar sem que a
falência seja decretada pelo juiz, ou seja, sem que a companhia encerre suas
atividades. Nos dois casos, o volume de pedidos vinha arrefecendo no início
deste ano, mas com a pandemia do novo coronavírus voltou a crescer, afirma o
economista da Boa Vista, Flávio Calife.
Segundo especialistas, essa primeira onda de processos judiciais envolve
empresas que já vinham tendo problemas financeiros antes da pandemia. “O
coronavírus foi a gota d’água para aquelas companhias que ainda tentavam se
recuperar das crises de 2008 e 2014”, diz o sócio fundador da DASA
Advogados, Carlos Deneszczuk Ele representa a rede de roupas masculinas Fatto a
Mano, que entrou em recuperação judicial no fim do mês passado.
Com uma dívida de cerca de R$ 40 milhões, a empresa vinha sendo pressionada
pelos credores quando praticamente perdeu todo o seu faturamento na quarentena.
Para continuar operando, optou pela proteção judicial, diz o advogado.
Atualmente, ele trabalha em outros oito novos pedidos de recuperação judicial.
“No cenário atual, há perspectiva de quadruplicar o número de pedidos de
recuperação até o fim do ano.”
Piora
Na avaliação do sócio-diretor da consultoria Alvares & Marsal, Eduardo
Seixas, o avanço dos processos judiciais ainda está baixo comparado ao tamanho
da crise. Para ele, uma das explicações é que os credores estão mais sensíveis
à situação provocada pela pandemia e estão evitando recorrer a execuções de
garantias – um dos fatores que acabam levando as empresas à recuperação
judicial.
Além disso, muitas companhias aguardam a aprovação de um projeto de lei (de n.º
1.397) que está no Senado e que daria um pouco mais de tempo para as empresas
equalizarem suas contas. Esse texto, diz ele, permitiria que as empresas
deixassem de pagar a dívida por 30 dias e depois entrassem em negociação com os
credores. Nesse processo, mais barato que o de uma recuperação judicial, elas
ganhariam quatro meses, comenta o executivo. “De qualquer forma, o cenário
judicial vai piorar e piorar muito.”
O advogado Flavio Galdino, do escritório Galdino & Coelho, também tem a
mesma percepção. Ele conta que a recomendação que tem dado aos clientes que o
procuram para reequilibrar suas contas é para esperar e não entrar agora em
recuperação judicial É preciso aproveitar que os credores não estão apertando e
jogar um pouco para frente. “Além disso, não sabemos qual é a dívida total
neste momento. Quando for entrar numa recuperação judicial, é preciso colocar
todos os prejuízos.”
Ele afirma que em mais um mês e meio será possível saber melhor o que virá pela
frente. “Na minha avaliação, a onda maior virá em setembro e
outubro.” Para Galdino, os setores que mais correm risco de irem para
recuperação judicial são os de turismo e de varejo. “Esses setores já
cortaram despesas e já demitiram. Agora, tem de reequilibrar as contas.”
Na avaliação de economistas, a saída da crise atual é uma incógnita. Ninguém
sabe quanto tempo vai demorar para voltar aos níveis pré-pandemia. Em alguns
setores, a dúvida é ainda mais latente, como as áreas de entretenimento e
restaurantes, por causa do comportamento da população ao fim do isolamento.
O advogado Sergio Emerenciano, da Emerenciano, Baggio & Associados, lembra
que algumas atividades já voltaram, mas as vendas continuam estagnadas.
“As empresas estão funcionando, a dívida aumentou, mas o caixa não voltou.
Crise faz número de falências saltar de 71,3% em junho; especialistas veem piora
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