Controle de doenças versus direitos fundamentais

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Sandra Franco

consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública, MBA/FGV em Gestão de Serviços em Saúde, ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde

Em tempos de medidas drásticas para se controlar uma possível epidemia do coronavírus e o estudo de normas para regular quarentena no Brasil, chama atenção uma notícia. Familiares de doentes hanseníase venceram, depois de quatro anos, uma batalha jurídica que assegurou uma indenização por dano moral pelo afastamento compulsório de seu entes na década de 60.

Uma lei federal permitia que o governo brasileiro segregasse filhos sadios de pais, pacientes com hanseníase, em locais conhecidos como preventórios (orfanatos e educandários), uma espécie de orfanato para crianças com pais vivos. Os pais ou parentes eram levados para os chamados hospitais colônias. Essa separação provocou, em uma série de famílias, marcas indeléveis.

Em março de 2015, dois irmãos entraram na Justiça do Rio Grande do Sul pedindo à União uma indenização por danos morais, iniciando uma batalha judicial que passaria por três instâncias e levaria quase quatro anos. Isso porque, no final de 2018, o Superior Tribunal da Justiça (STJ) decidiu que o caso configura “um quadro de alienação parental forçada por políticas governamentais equivocadas” e que a União deverá indenizar os irmãos em R$ 50 mil cada. A decisão transitou em julgado e não cabe mais recurso.

Os autores da ação tornaram-se, assim, os primeiros filhos segregados pela extinta política de hanseníase brasileira a ganhar na Justiça o direito a uma indenização da União. Importante ressaltar que é missão do Estado o controle de doenças visando à saúde e que se trata de um ato de interesse público. Mas, muitas vezes em nome do dever de cumprir essa missão, as normas ultrapassam direitos individuais constitucionalmente garantidos – o que aconteceu nesse caso em especial.

Sabe-se que a hanseníase é uma doença há muito tempo diagnosticada, existem relatos na própria bíblia de sua existência, que era chamada doença de Lazaro, um conhecido personagem do cristianismo. E, desde àquela época, estiveram presentes políticas segregacionistas com o objetivo de tratamento e de controle dessa doença. No Brasil não foi diferente: houve políticas públicas  com escopo de isolar os portadores da doença de pessoas saudáveis para evitar ou diminuir o risco de contágio. Existiram algumas leis que impuseram essa medida de separação, para que não houvessem mais pacientes contaminados. Tal era o preconceito gerado pela então ausência de cura e desconhecimento sobre a forma de contágio da doença, que até as casas dos infectados eram queimadas.

Relevante dizer que, apesar de o Estado obrigar o isolamento dessas pessoas, comprovado por registros levantados pela própria associação de pacientes de hanseníase, não eram criadas condições para que esses doentes fossem realmente tratadas ou tivessem uma vida digna. Eles eram privadas de sua família de origem, de seu trabalho e de educação. Há relatos de abuso físico e moral.

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