Coluna Livre com Hermano Henning

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Uma reportagem natimorta, definiu o experiente repórter José Maria Trindade que a rádio Jovem-Pan mantém em Brasília já há uns bons anos. A Globo incendiou o país na terça à noite com essa história do depoimento do porteiro do condomínio de Bolsonaro no Rio.

O Jornal Nacional deu a notícia com o entusiasmo que seu editor chefe julgou merecer. No fim, percebeu-se que não era nada daquilo. O assunto já circulava em Brasília e já se sabia que o depoimento do porteiro era furado.

Além da ausência do então deputado Jair Bolsonaro na casa dele no condomínio, comprovada pelo registro de sua presença na Câmara dos Deputados em Brasília, já se conhecia também os apontamentos no sistema eletrônico da portaria do condomínio que desmentiam a testemunha.

A Globo não escondeu o álibi de Bolsonaro, mas o colocou no mesmo nível dado ao teor do depoimento do porteiro. Colocou os dois pontos no mesmo nível de importância.

A isso chama-se hierarquização da notícia. O editor chefe sempre se obriga a dar maior destaque ao assunto que julga ser o mais importante no conjunto da reportagem. Até o entusiasmo que o narrador dá a leitura do texto, nos pontos em que procura destacar, tem papel importante.

Na justificativa dada num editorial no dia seguinte, a Globo fala muito em “fatos”. A palavra é usada várias vezes no texto. A TV afirma, com razão, que todo o material colocado no ar foi baseado em fatos.

Só que a questão não é essa.

Em televisão, muito mais que nos jornais impressos, a forma tem um valor que muitas vezes se sobrepõe ao conteúdo. O tom grave do apresentador, sua expressão, o franzir da testa, dizem muito.

Se o Jornal Nacional tivesse dado valor a informação de que nós tínhamos ali uma tentativa de envolver o presidente num assassinato a partir de um depoimento que se mostrava falso teria sido mais honesto.

Podia até se perguntar no final da matéria a quem interessa melar as investigações envolvendo o presidente, provocar confusão. O texto não diz que o assunto fora vazado de um inquérito em segredo de justiça. Essas informações não caberiam numa nota pé? Não caberia uma tentativa de se encontrar o porteiro e entrevistá-lo? Por que não se tentou chegar às gravações dos telefonemas? Quem interrogou a testemunha?

Tenho por mim que quanto mais essas explicações fossem dadas chegaríamos perto daquilo que nós jornalistas entendemos ser a antimatéria. E isso derruba qualquer assunto.

Dar destaque de que o “fato” que originou a reportagem era falso derrubaria o furo. Em compensação salvaria a credibilidade do mais importante telejornal do país.

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