Direção
e bebida não se misturam. Se beber, não dirija nunca. Ponto. Mas vem do
universo automotivo o nome de um coquetel que se transformou em fenômeno de
consumo nos bairros da periferia da cidade e na Grande São Paulo: o Chevette.
Lançado em 1973, o carro saiu de linha ainda no início da década de 1990.
Apesar disso, ele nunca abandonou o imaginário do brasileiro. O Chevette, ao
lado do Fusca, ainda é o carro mais lembrado por saudosistas e piadistas de
internet. Não à toa, virou nome de bebida.
Como quase todo coquetel clássico que se preze,
ele tem uma origem difícil de definir – e vive mais de versões do que de fatos.
A lenda mais repetida é que ele teria sido criado em Mauá, na Grande São Paulo.
O cenário muda conforme a lábia de quem conta. Fala-se que ele nasceu em um
posto de gasolina, em um boteco ou uma balada.
Dizem que depois de criá-lo (e consumi-lo), um
sujeito teria decidido ir para casa de carro, mas entrado em um veículo que não
era o dele – coincidentemente um Chevette. De novo, não seja burro: se beber,
não dirija.
O drinque tem como base um coquetel alcoólico
saborizado de limão. As marcas que dominam o mercado do Chevette são o Corote
Sabores (vodca misturada com essências) e o Duelo (fermentado de maçã e
aguardente de cana). Desde o início da febre, Corote e Duelo têm investido no
marketing do drinque, com embalagens especiais, promoções e postagens em redes
sociais.
As bebidas vêm em garrafinhas de plástico (500
ml) e não custam mais R$ 3. Além da base alcoólica, o drinque também leva um
suco de pozinho sabor baunilha com limão e gelo de água de coco (feito com água
de coco de caixinha). O kit completo, com direito a copo de plástico e
canudinho, pode ser encontrado por R$ 6 a R$ 9.
O bartender Thiago Toalha, que atua no Le Jazz
Brasserie e também criou o personagem Barman Deprê Show (sucesso nas redes
sociais ao ironizar a máxima de que “cliente tem sempre razão”),
levou a reportagem para conhecer botecos no Itaim Paulista, zona leste, um dos
pontos da cidade onde o Chevette é rei. “O Chevette é um fenômeno na
periferia. Mais do que um coquetel, ele tem movimentado a economia local.
Adegas e botecos estão se mantendo graças à força do Chevette”, disse.
Nos fins de semana, na Adega 3 Irmãos, também
conhecida como Bar do Pururuca, saem em torno de 100 kits de Chevette.
“Temos duas opções. Ou preparo o drinque aqui no balcão ou vendo o kit
para a pessoa fazer em casa”, explicou Cledenilson Wilson Berlofa, de 40
anos (muito mais conhecido como Pururuca).
Perto dali, o jovem empreendedor Rodrigo Dias
Faes da Silva, de 22 anos, montou uma adega nos fundos de sua casa. Ele
percebeu que o Chevette poderia se juntar a outro fenômeno na região: o
narguilé (aquele dispositivo para fumar, que tem origem na Índia, onde uma
mistura de tabaco é aquecida e a fumaça gerada passa por um filtro de água).
“Comecei com o narguilé, mas o Chevette veio forte. Nos fins de semana,
trabalho até as 6h da manhã sem parar.” Para subir a demanda, Dias mantém
um estoque de caixas de Duelo, Corote, suco de baunilha em pó e caixinhas de
água de coco.
O Chevette também ganhou as prateleiras dos
supermercados. Em Mauá, por exemplo, você encontra promoções e áreas inteiras
dedicadas aos produtos que compõem o coquetel. Além disso, os kits podem ser
pedidos pelos tradicionais aplicativos de delivery.
Preparo
Acreditem, o Chevette também tem sua polêmica ao
melhor estilo Dry Martini. Seria o Chevette um drinque batido ou mexido? É
quase unânime que no caso do Chevette (e jamais no Dry Martini) estamos falando
de um drinque batido. O segredo é como e onde bater. “Fui fazer um
Chevette usando coqueteleira e tiraram muito sarro de mim”, contou Toalha.
De fato, o Chevette raiz é batido na própria
garrafinha de plástico das bebidas (que lembra um barrilzinho). Em linhas gerais,
para fazer o Chevette, é preciso primeiro deixar uma caixinha de água de coco
no congelador (os botecos, claro, já deixam centenas delas nas geladeiras).
Como primeiro passo, o consumidor (ou o
bartender) deve cortar a caixinha para tirar o gelo pronto – que fica estiloso
e no formato da embalagem. Esse gelo deve ser colocado em um copo da plástico
de pelo menos 500 ml. Depois, cerca de 100 ml da bebida-base são despejados
nesse mesmo copo com gelo.
Na sequência, o pozinho de suco de baunilha é
misturado à bebida que ficou na garrafinha. Ou seja, a bebida é batida dentro
da própria garrafinha para misturar os elementos. Por último, todo o conteúdo
da garrafinha vai para o copo com o gelo de água de coco. O aspecto da bebida é
um pouco turvo, lembra leite e tem alguma cremosidade.
O sabor, bem, o sabor é bastante adocicado e
traz uma memória emotiva para muita gente. “Lembra o sabor de um Yakult,
só que alcoólico”, afirmou Toalha. Quem quiser algo menos doce é só pôr
menos pó de baunilha.
Gourmetização
O bartender Diogo Sevillo, chef de bar do
Cozinha 212, que realiza projetos com bebidas marginalizadas, ressalta a
mistura de conceitos da cultura de coquetelaria mais tradicional com elementos
populares. “O Chevette é feito com produtos que são de fácil acesso para
quem vive na periferia, mas perceba a sacada do gelo de água de coco. É uma
ideia que está presente em muitos bares, até uma sofisticação”, disse. É
provável que a ideia do gelo de água de coco tenha nascido de uma mistura
tradicional, o uísque com água de coco.
A expectativa é que aconteça com o Chevette o
mesmo fenômeno que já aconteceu com o Rabo de Galo (cachaça, Cynar e Vermute).
O coquetel sempre foi um clássico dos botecos e hoje está presente em
praticamente todos os bares de alta coquetelaria do Brasil – em versões com
blends de cachaças artesanais, vermutes especiais, bitters, etc. e tal).
“É possível deixar o drinque mais equilibrado, menos doce. Mas não apoio a
gourmetização. Acho que as pessoas deveriam experimentar, primeiro, o original”,
fala o bartender Raul Dias, dos bares Tulum e Ruazinha.
A bartender Márcia Martins, do Laskarina
Bouboulina, já está colocando na carta do bar uma versão com vodca Absolut
Citron, calda de baunilha, ácido cítrico e gelo de coco. Servido em copo americano,
ele se chama chevetinho ou corvettinho. “Como o País passa por
dificuldades econômicas, minha ideia era um drinque com um preço bacana, com
esse apelo popular, mas usando bebidas de qualidade”, explicou Márcia.
Na onda do Chevette já é possível encontrar
criações com outros sabores de Corote, Duelo ou bebidas similares. Trata-se,
praticamente, de uma franquia. Por exemplo, com bebida saborizada de maracujá
cria-se o Brasília Amarela; com o saborizado de morango, temos uma Ferrari; já
com o sabor blueberry (sim, existe) já criaram o Fusca Azul – mas, aqui, em vez
do suco de baunilha em pó, a mistura leva cerveja. E, por fim, mais uma vez,
não custa nada repetir: beba com moderação e, nunca jamais, dirija se tiver
consumido bebida alcoólica.
Quer tentar fazer o Chevette em casa? A receita
é bem simples.
Confira a seguir:
Modo de preparo
1. Congele uma caixinha de água de coco.
2. Em um copo de plástico (ou vidro) coloque o
gelo de coco pronto e uns 100 ml de Duelo ou Corote limão (ou uma bebida similar).
3. Na própria garrafa da bebida, junte suco de
baunilha em pó à bebida (também pode ser usado o suco de baunilha com limão).
4. Bata dentro da própria
garrafinha.
5. Coloque o conteúdo da garrafinha dentro do
copo com gelo.
6. Tenha juízo.
Carro que faz parte do imaginário do brasileiro vira coquetel de sucesso
- PUBLICIDADE -