A bailarina de Auschwitz

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Edith Eva Eger era uma bailarina de 16 anos quando o Exército invadiu seu vilarejo na Hungria. Seus pais foram enviados à câmara de gás, mas ela e a irmã sobreviveram. Edith foi encontrada pelos soldados americanos em uma pilha de corpos dados como mortos.

Já descrita como a “Anne Frank que não morreu”, Edith, hoje aos 92 anos, morando em um vilarejo na Califórnia sugestivamente chamado de Paradise, discorre sobre sua experiência em Auschwitz, e toda a trajetória de superação e auto-conhecimento que a seguiu em vida, no best seller A Bailarina de Auschwitz.

Não à toa, a obra aparece no topo da seleção de leituras sugeridas durante a pandemia por ninguém menos que Bill Gates.

Este livro já foi lançado no Brasil pela Sextante. E agora no segundo semestre, a editora prepara o lançamento de um segundo livro de Edith, O Presente, apresentando uma visão mais conceitual sobre os conhecimentos adquiridos pela autora, que é doutora em psicologia, e ainda atende a pacientes, aplicando o que aprendeu no campo de concentração em suas terapias.

Bailarina desde criança – e ela continua dançando, “porque a vida é sobre a dança” -, já recebeu de Mengele a ordem para dar piruetas ao som da valsa Danúbio Azul, para seu deleite. Ganhou um pedaço de pão em troca… Nesta entrevista ela também descreve como foi voltar a Auschwitz, cinco décadas depois, para um seminário do qual participou, em uma cidade vizinha.

Que lições da sua experiência na Segunda Guerra Mundial podem nos inspirar nesse momento?

Eu posso te inspirar a entender que não é o que está acontecendo que importa. O que importa realmente é a maneira como você vê as coisas. Então, eu gostaria de ser sua oftalmologista e lhe dar uma perspectiva diferente. De que não existem problemas no mundo Não há problemas, há apenas desafios. E não há falhas, há apenas transições. Quando tudo é tirado de você… Vou lhe dizer que você ficando trancado em você mesmo e aprende. Mas, ao em vez de se concentrar no que não temos e reclamar sobre isso, basta dizer que está na hora… Está na hora! Posso ler outro livro que não tinha tempo antes. Posso passar mais tempo com meu filho e fazer algumas perguntas mais profundas, como por exemplo: como você pode se comprometer com a melhoria da humanidade? É apenas o jeito como nós vemos as coisas.

Também vou lhe dizer que tenho muito orgulho de ter uma herança judaica porque meus ancestrais não desistiram. É por isso que estou aqui, e acredite, eles não tiveram vida fácil. E no entanto, eles disseram: “isso é temporário e podemos sobreviver”

Então é assim que espero poder guiar as pessoas a se moverem para dentro de si mesmas, porque essa é a única coisa que você terá por toda a vida. Todos os outros relacionamentos terminarão A dependência gera depressão. Se você esperar que alguém o faça feliz, nunca será feliz. Seja apenas I-N-T-E-I-R-A, uma pessoa inteira, corpo, mente, espírito, trabalhando, amando, brincando.

Tenha equilíbrio em sua vida. Então, quando você se levanta de manhã, olha no espelho, diga: Eu me amo, porque amor próprio é autocuidado. Não é narcisismo.

Que lições você recomendaria para as pessoas?

As lições que recomendo são principalmente para prestar atenção ao seu diálogo interno, a maneira como você fala consigo mesmo. Ser realista, mas não idealista. Ok, existe maldade no mundo. Sabe, todos nós temos um Hitler dentro de nós e ao mesmo tempo temos bondade e gentileza. E em um campo de concentração, tudo o que tínhamos era um ao outro. E tivemos que nos comprometer a formar uma família de presos. Se você fosse apenas “eu, eu, eu”, você não conseguiria sobreviver em Auschwitz.

Acho que agora estamos totalmente divididos. E é muito caótico. É um bom momento para se reagrupar e, tomar uma decisão. Então seja um bom pai para você. Seja uma boa mãe para você. Ame a si mesmo todas as manhãs e tome uma decisão. Como você vai se sentir naquela noite? Ninguém pode afetar você sem que você permita.

Como você está lidando com a pandemia?

Estou adorando porque sou introvertida e me dá mais tempo para ficar comigo mesma. E essa é uma companhia muito boa, acho que a melhor. Sou introvertida, mas sei que pessoas extrovertidas têm mais dificuldade. Gosto da ideia de olhar para dentro e ver como você descobre seu espírito, sua alma, que estava com você quando você nasceu. E vai estar com você quando você morrer. Foi o que minha irmã me falou quando me disseram que meus pais estavam queimando em uma câmara de gás. Minha irmã disse que o espírito nunca morre. Foi assim que entrei em Auschwitz em maio de 1944. O espírito nunca morre.

E estou aqui para lhe dizer que fui capaz de, com a ajuda de Deus, transformar ódio em piedade. Eu tive pena dos guardas.

Agora aqui no Brasil, nós somos o epicentro global da pandemia, muitas pessoas estão morrendo. Há negligência das autoridades e temos um problema político muito sério. Como lidar com isso?

Como você diz às pessoas? Obrigado por sua opinião. Nunca duvide da verdade de alguém. Eu sei que parece esquizofrênico. Todo mundo tem direito a liberdade de expressão, mas isso não significa que você esteja certo ou errado. Você está certo para você. Aliás temos que desistir da necessidade de estar certo, especialmente no casamento.

Como lidar com formas negativas de influência social sobre o indivíduo?

Possivelmente dizendo algo como, “eu gostaria de saber se talvez eu pudesse compartilhar com você a maneira como vejo as coisas”. Mas nunca discutir com essa pessoa. Nunca. Se eles lhe disserem que o Holocausto nunca existiu, por exemplo. Então você repete, repete, repete, até que as pessoas acreditem. Nosso maior inimigo é isso que vivenciamos agora – as pessoas ouvem as outras pessoas e não questionam a veracidade. Você tem que questionar a autoridade, a veracidade. E acho que é uma oportunidade para desenvolvermos algum tipo de diálogo em que eu possa ser eu e você possa ser você.

Alguém mandou uma foto para mim muitos, muitos anos atrás, que dizia o que minha mãe me ensinou: “Não sabemos para onde estamos indo. Nós não sabemos o que vai acontecer. Basta lembrar, ninguém pode tirar de você o que você coloca em sua própria mente”. E foi exatamente assim que aconteceu.

Tudo que vinha de fora não era nada. A prisão está em nossa própria mente. Isso é ciência. O jeito que você acorda de manhã. A maneira como você vai ao banheiro, a maneira que pensa, altera toda sua biologia.

Como lidar com o medo?

Como você gerencia o medo? É preciso antes de tudo, ser realista E não idealista. Porque se você é um idealista e não encontra exatamente o que está procurando, ficará muito cínico, sarcástico. Eu gosto de humor filosófico. Também peço às pessoas que se livrem do “sim, mas”. Me dê um “mas” e eu te dou um “e”, como “sim, e, …”. Sabe?

Além disso, você está evoluindo, e não rebobinando. Não é para fazer a mesma coisa repetidamente. Essa é a definição de sanidade. Eu proponho uma perspectiva diferente. Eu estou falando com você como uma profissional muito sofisticada, e também uma sobrevivente. É preciso aferir também a importância do QI e do EQ (inteligência emocional) nesse momento. Isso é muito importante.

Muitas pessoas vão de escola em escola mas não aprendem sobre inteligência emocional. E se você é casado com alguém que talvez não saiba como ir a uma mercearia e pegar um pacote de macarrão do qual nunca ouviu falar, ou qualquer outra coisa, uma lata de feijão ou o que quer que seja, de alguma maneira, é importante descobrir as coisas. E é por isso que estou dizendo que não há problemas; há desafios.

Falando em casamento, eu gosto do modelo no qual o casal trabalha junto como uma equipe. Não existe trabalho dos homens, tarefas das mulheres. Não tem isso. Os dois lavam o carro, os dois vão para a sala de parto, e ele tira a camisa e abraça a sua garota. Estou muito impressionada com o casamento jovem e moderno. Você sabe, é a moda mundial.

Mas há pessoas que acreditam que você pode fazer qualquer coisa com uma criança porque ela é sua posse. Eu conheci um homem de 55 anos que me disse que quando tinha nove, o cachorro dele morreu. E o pai dele chegou e disse que homem não chora. Ele pegou o filho, foi ao pet shop e comprou outro filhote. Esse homem me disse: com 55 anos de idade, ainda lembro dessas lágrimas desde os nove anos. Portanto, não lamentamos o que aconteceu, mas o que não aconteceu.

E como administrar nossa raiva?

Oh, é o oposto da depressão; é expressão. Gritando. Vá para o oceano, de carro. Você grita, chora e depois ri alto o suficiente para se sentir melhor.

Sabe, ontem eu estava pensando… Eu estava lendo novamente seu livro, me preparando para a entrevista. E percebi que não há muita conversa sobre deuses ou sobre religião, sobre fé.

De alguma forma ter fé é diferente de acreditar. Quando as pessoas dizem: “Eu acredito. Acredito. Acredito. Acredito”. Eu não presto muita atenção nisso. Prefiro me perguntar que tipo de vida você leva. Me mostre, me mostre. Mostre-me, porque eu não me importo com nenhum pensamento positivo, a menos que você decida e o coloque em ação. Espero que você veja como é possível cozinhar uma refeição e levá-la aos sem-teto. Sabe, acho que amor não é o que você sente, é o que você faz.

Você poderia narrar seus episódios com Joseph Mengele?

Eu tive um sonho de ir à América do Sul e conhecer o Dr. Mengele Nesse sonho eu seria uma jornalista americana, e depois lhe diria que “eu tinha 16 anos e você quase me enviou para a câmara de gás. Mas você me deu um pedaço de pão”. Bem, nada disso aconteceu. Eu entendo que ele morreu no Chile porque muitos o procuraram e ele correu para lá. Quando o conheci, não sabia que ele era o Dr. Mengele. Eu o conheci quando estava me aproximando dele com minha mãe de um lado e minha irmã do outro. E ele perguntou: essa é sua mãe ou sua irmã? E nunca me perdoei por ter dito que era a minha mãe. Então eu segui minha mãe. E ele me agarrou. Eu nunca esqueço aqueles olhos… E disse, sua mãe vai tomar um banho. E você verá ela depois. E me jogou do outro lado.

Se você sofre como um sobrevivente assustado – e muitas pessoas sofrem, como as que participaram da Guerra do Vietnã -, você pensa: “e se eu estivesse lá em vez de aqui? Meu corpo morreria”.

Quando me formei na universidade, ano apareci para a cerimônia de formatura porque não me perdoei por ter sobrevivido.

Mas às vezes eu quero acreditar que, de alguma forma, talvez haja um Deus que tome uma decisão por cada um de nós. Cada um de nós, mesmo antes de nascermos. E devemos aceitar e permanecer no presente.

Eu não me preparei para escrever com sinceridade sobre isso – que se você está demais no passado, significa que você não passa tempo suficiente no presente. Eu vivo de presente, mas não esqueço o que aconteceu. Eu não supero o que aconteceu. Eu chamo de minha ferida querida. Ela tem um lugar especial no meu coração.

Parte de mim foi deixada em Auschwitz e a ideia que reconheço é de que posso atravessa o vale da sombra. É difícil, mas sei que não fico presa lá. Eu não sou essa vítima; fui vitimada. Não é a minha identidade. Não é quem eu sou. Foi o que foi feito comigo. Essa é uma grande diferença, porque você não pode ser uma vítima sem o vitimador.

Qual a importância da herança judaica para você?

Ah, eu me orgulho muito. Tenho muito orgulho de vir e carregar o sangue das pessoas que andaram 40, 40 anos no deserto… eles estavam indo para a Terra Prometida, certo? E eles não desistiram. Não desistiram.

Então você e eu carregamos esse sangue. Me orgulho muito. Espero que sejamos, não inteligentes, mas sábios.

Eu sempre peço às pessoas que assistam “Fiddler on the Roof” porque essa mulher faz o marido sentir que ele toma todas as decisões. Ela é uma mulher sábia. Ela não tem problemas de ego, não está competindo, sabe exatamente quem é e o que é melhor para toda a família.

E é para isso que você realmente deve olhar, especialmente se você é um presidente. Olhar o que será bom para o mundo, não o que é bom para mim.

Você ainda pratica balé?

Sim, eu estava dançando agora há pouco.

Ainda estou dançando o tempo todo, principalmente com casais. Eles conversam comigo sobre sexo e dinheiro… e eu danço com uma mão, depois com outra, ainda estou fazendo minha coreografia de uma maneira diferente.

A vida é sobre a dança. Sim. A dança sobrevive.

Onde você mora agora? Qual é o seu ambiente?

Eu moro em Paradise (Califórnia). Eu moro perto do oceano. Eu tenho uma bela vista do oceano da minha sala de estar.

Não acredito na aposentadoria. Eu ainda não me aposentei.

Vou fazer noventa e três anos no dia 29 de setembro. Eu sou uma libriana. Então, eu olho para as duas coisas. Por um lado, e pelo outro. Sempre olhando.

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